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Orfeu negro - Tópico 2

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Marice Gonçalves
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Mensagem por Admin Sex Dez 09, 2016 2:45 pm

Bem, a discussão está boa. Como segundo tópico, proponho que pensemos nas relações entre a poesia da negritude e certos anseios da poesia europeia, que aparecem no texto de Sartre, mencionando ele Mallarmé e os surrealistas.

Como subtópicos, poderíamos ter:

a) a poesia como destruição da língua (já iniciado, com algumas colocações de vocês, inclusive, problematizando o alcance disso, em se tratando do uso da língua do colonizador);
b) o destaque dado a Aimé Césaire (p. 113).

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 2:54 pm

Quando penso na "poesia como destruição da língua", penso também em um viés feminista. Emily Brontë escreveu um romance e poemas e os publicou com pseudônimo masculino. Vejo em sua literatura críticas a sociedade patriarcal. Portanto, é comum usar a língua vigente (até porque, é como Camila disse, o intuito é ser reconhecido por outros) para lutar contra elementos sociais com os quais não se concorda. É assim com a poesia (e as artes, de um modo geral), feita pelas minorias...

raquelandrade

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 2:57 pm

O destaque a Aimé Césaire se dá exatamente por ele ter feito esse movimento, o de tomar dos brancos o Surrealismo e voltá-lo contra eles...

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Mensagem por renanandrade Sex Dez 09, 2016 2:59 pm

Penso que Sartre vai mais além da poesia como destruição da língua, no sentido da poesia como destruição da linguagem. Seja uma linguagem patriarcal como a Raquel comentou ou uma linguagem 'branca', no caso do texto.

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Mensagem por Marice Gonçalves Sex Dez 09, 2016 3:02 pm

Tenho a impressão de que Sartre propõe a destruição do opressor por meio de sua própria língua, que seria usada como uma forma de dar maior alcance à fala do negro oprimido, já que ela chegaria a todos os colonizados que falam francês. E essa destruição se daria pela forma diferente da habitual de usar a língua. O que levaria a um rompimento entre o negro e o colonizador.

Marice Gonçalves

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Mensagem por Lídia Generoso Sex Dez 09, 2016 3:03 pm

Acredito que o que torna a poesia da negritude próxima de correntes europeias como o surrealismo, mas ainda distante em outros aspectos, para Sartre, é precisamente o papel da paixão, do ressentimento, de uma "certa forma de humanidade concreta e determinada” que se irrompe contra o que lhe é imposto: trauma, racismo, colonização. De modo que a questão do afeto e da sensibilidade assume aqui papel central na produção da poesia, mas também o faz o quanto é crua a vida material. Nesses aspectos todos, a poesia da Negritude surge de uma convergência entre afeto e racionalidade que culmina no que Sartre chama de explosão como a de um vulcão com função definida. Este seria outro diferencial, a Negritude propõe-se a interferir no mundo, com função definida; toma do surrealismo sua proposta destruidora, para utilizá-la com objetivos claros, entre eles destruir a Europa (enquanto símbolo, ideia, civilização, cultura - não necessariamente uma destruição material).

É interessante, aqui, pensar também sobre o seguinte trecho: “As palavras de Césaire não descrevem a negritude, não a designam, não a copiam por fora como um pintor procede com seu método: fazem-na; compõe-na sob os nossos olhos […]; o método subjetivo que escolheu alcança o método objetivo a que nos referimos acima: expulsa a alma negra para fora de si no momento em que outros tentam interiorizá-la”. Em minha leitura, parece que Sartre atribui a Cesaire exatamente o feito de ter cumprido com a promessa surrealista, de utilizar as palavras e a poesia para transformar o mundo, produzir imagens de furor e de transformação, alcançar objetivos verdadeiramente libertadores, e destruidores também.

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 3:08 pm

Essa questão da língua me faz lembrar também a "antropofagia" do modernismo brasileiro

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Mensagem por iurybelchior Sex Dez 09, 2016 3:08 pm

Penso que a destruição da íngua é mais uma destruição do sistema de forças que antes vigorava no interior daquela galáxia de signos de forma hegemônica. Claro que haverá colapso quando se reorganizam as forças cósmicas, é quase que uma Revolução. Na verdade, acho que a comparação perfeita nem seria essa meio Star Wars que eu fiz agora, mas com o sistema imunológico. O vírus penetra na célula e a reorganiza, acredito que é assim que o poeta preto faz quando se apodera da língua do colonizador. ele faz com que ela - a célula, a linguagem - trabalhe pra ele, ainda que isso venha a ser autodestrutivo pra ela, em algum momento...

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 3:09 pm

devorar o que vem de fora e criar algo próprio, a partir desse movimento

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Orfeu negro - Tópico 2 Empty Bem lembrado!!!

Mensagem por iurybelchior Sex Dez 09, 2016 3:11 pm

raquelandrade escreveu:Essa questão da língua me faz lembrar também a "antropofagia" do modernismo brasileiro

Importante ressaltar aqui que os modernistas foram um paradigma valioso para a poesia africana de língua portuguesa.

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Mensagem por Camila Dias Sex Dez 09, 2016 3:14 pm

Quando Sartre diz de silêncios e autodestruição da linguagem, lembro-me de uma passagem de um livro do Márcio Seligmann-Silva em que ele compara a linguagem ao sistema jurídico, à lei, enquanto lugares tesos e, por vezes, impenetráveis. E tal dureza tem relação justamente com o fracasso, o desamparo que se instaura pela tentativa de lidar com os flagelos e dores a que somos submetidos, claro que em proporções super diferentes. A prosa é "malôgro". Mas é possível ver a fragilidade: "vemos o sistema inteiro, não passa de uma máquina avariada, estatelada, cujos grandes braços ainda se agitam para indicar no vazio" (p. 105). Parece haver, no caso do negro que fala a língua do Outro, uma dupla falência de representação.

Camila Dias

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 3:15 pm

iurybelchior escreveu:
raquelandrade escreveu:Essa questão da língua me faz lembrar também a "antropofagia" do modernismo brasileiro

Importante ressaltar aqui que os modernistas foram um paradigma valioso para a poesia africana de língua portuguesa.

Faz sentido, Iury, dado que eram movimentos, tanto "lá" como "aqui", contra o imperialismo...

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Mensagem por iurybelchior Sex Dez 09, 2016 3:19 pm

Camila Dias escreveu:Quando Sartre diz de silêncios e autodestruição da linguagem, lembro-me de uma passagem de um livro do Márcio Seligmann-Silva em que ele compara a linguagem ao sistema jurídico, à lei, enquanto lugares tesos e, por vezes, impenetráveis. E tal dureza tem relação justamente com o fracasso, o desamparo que se instaura pela tentativa de lidar com os flagelos e dores a que somos submetidos, claro que em proporções super diferentes. A prosa é "malôgro". Mas é possível ver a fragilidade: "vemos o sistema inteiro, não passa de uma máquina avariada, estatelada, cujos grandes braços ainda se agitam para indicar no vazio" (p. 105). Parece haver, no caso do negro que fala a língua do Outro, uma dupla falência de representação.  

Camila, essa falência de representação, dupla... Você acha que não há espaço para essa subversão? Eu não sei se entendi direito... Seria algum problema próximo do intraduzível? De não haver uma correspondência semântica plena?

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Mensagem por raquelandrade Sex Dez 09, 2016 3:21 pm

Camila Dias escreveu:Quando Sartre diz de silêncios e autodestruição da linguagem, lembro-me de uma passagem de um livro do Márcio Seligmann-Silva em que ele compara a linguagem ao sistema jurídico, à lei, enquanto lugares tesos e, por vezes, impenetráveis. E tal dureza tem relação justamente com o fracasso, o desamparo que se instaura pela tentativa de lidar com os flagelos e dores a que somos submetidos, claro que em proporções super diferentes. A prosa é "malôgro". Mas é possível ver a fragilidade: "vemos o sistema inteiro, não passa de uma máquina avariada, estatelada, cujos grandes braços ainda se agitam para indicar no vazio" (p. 105). Parece haver, no caso do negro que fala a língua do Outro, uma dupla falência de representação.  

Camila, acredito que essa falência de representação se agrave devido a uma questão muito comum nos dois textos: a dificuldade de se atingir uma identidade própria. O negro ou é menosprezado ou se identifica com o "herói branco" (isso aparece no segundo texto). Além da questão da língua tem essa busca por uma identidade própria, um escapar desse olhar avaliativo do "outro", que dificulta muito a representação negra... Concorda?

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Mensagem por Admin Sex Dez 09, 2016 3:31 pm

Muito bem. Apenas acho válido, ainda, destacar a aproximação do que teriam feito os poetas negros da antologia e o que teriam buscado, segundo Sartre, alguns dos poetas brancos da Europa. De um lado e de outro, a poesia teria se tornado um meio de “autodestruição da linguagem” (p. 104). Então, mais uma vez, é uma concepção de poesia que se revela. E é até mesmo uma defesa da poesia, em detrimento da prosa: “[...] compreendemos que a linguagem é prosa por essência, e a prosa, por essência, malogro [...]” (p. 104). Então, penso que há, não falência, mas potência, quando se trata da poesia. Sartre parece ter Mallarmé como paradigma, mas há ecos de Rimbaud em alguns trechos seus. E o surrealismo, com suas “palavras loucas”, está bastante presente. Quanto a Césaire, é interessante ver como ele é uma espécie de unanimidade para os autores da época. É elogiado por Breton, por Fanon, por Sartre. Sigamos com o terceiro e último tópico sobre “Orfeu negro”.

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Mensagem por Camila Dias Sex Dez 09, 2016 3:31 pm

iurybelchior escreveu:
Camila Dias escreveu:Quando Sartre diz de silêncios e autodestruição da linguagem, lembro-me de uma passagem de um livro do Márcio Seligmann-Silva em que ele compara a linguagem ao sistema jurídico, à lei, enquanto lugares tesos e, por vezes, impenetráveis. E tal dureza tem relação justamente com o fracasso, o desamparo que se instaura pela tentativa de lidar com os flagelos e dores a que somos submetidos, claro que em proporções super diferentes. A prosa é "malôgro". Mas é possível ver a fragilidade: "vemos o sistema inteiro, não passa de uma máquina avariada, estatelada, cujos grandes braços ainda se agitam para indicar no vazio" (p. 105). Parece haver, no caso do negro que fala a língua do Outro, uma dupla falência de representação.  

Camila, essa falência de representação, dupla... Você acha que não há espaço para essa subversão? Eu não sei se entendi direito... Seria algum problema próximo do intraduzível? De não haver uma correspondência semântica plena?

Hunrun. Há uma primeira, que corresponde ao que diz Mallarmé, citado por Sartre, "Evocar, numa sombra expressa, o objeto tu por palavras alusivas, jamais diretas, reduzindo-lhe a silêncio igual". A outra se trata da particularidade do negro que se edifica enquanto ser de linguagem a partir de uma língua construída, elaborada, (des)construída, falada, modificada com o correr dos séculos em um processo histórico que não é o dele, do qual nem ele e nem seus antepassados fizeram parte. Faz sentido? Pensando na história da língua francesa, por exemplo... Ela diz de um outro povo, de outras guerras, de outros afetos, de outras visões de mundo, de outros valores. Mesmo que o negro fale a língua desde criança... É só pensarmos na quantidade de línguas faladas em África. Todas elas fazem referência a um conjunto de símbolos materiais, imaginários, culturais, seculares que diz muito da situação africana, de suas complexidades, das dificuldades de se pensar, neste contexto, sobre ideias como as de nação, identidade... Sendo assim, falar francês, por exemplo, parece fazer recorrer a outro problema de representação, cultural, talvez...

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Mensagem por renanandrade Sex Dez 09, 2016 3:32 pm

iurybelchior escreveu:mas com o sistema imunológico. O vírus penetra na célula e a reorganiza, acredito que é assim que o poeta preto faz quando se apodera da língua do colonizador. ele faz com que ela - a célula, a linguagem - trabalhe pra ele, ainda que isso venha a ser autodestrutivo pra ela, em algum momento...

Não vejo isso como 'autodestrutivo' para língua, penso que o que é destruído, pelo menos em parte, são as relações de poder e a estrutura social. A língua em si, parece só ter a ganhar com esses movimentos.

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Mensagem por daniela.braga Sex Dez 09, 2016 3:44 pm

concordo com o renan. o uso que o negro faz da lingua europeia é uma forma de confrontar a estrutura social. apoderar-se da lingua do colonizador coloca o negro em pe de igualdade.

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